Entendendo o conflito sírio e o jogo de interesses: Os grupos curdos como elemento desestabilizador do Oriente Médio.


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Os projetos (diferentes) de criação de um Curdistão

O atual projeto do Curdistão, com respaldo de Estados Unidos e França, não tem nada a ver com o projeto que esses mesmos países reconheceram como legítimo em 1920, na Conferência de Sevres. O projeto atual nem sequer se situa nos mesmos territórios! Este pseudo Curdistão apenas é a cenoura que os ocidentais mostram aos curdos da Síria para utilizá-los contra a República Árabe Síria. Sua criação não resolveria o problema curdo e provocaria um conflito comparável ao que já dura há mais de 70 anos entre Israel e os palestinos. Desentranhando a situação atual, Thierry Meyssam analisa as posições contraditórias das 9 principais potências exteriores implicadas.

Os curdos formam parte integrante da nação e sociedade sírias. Esta foto mostra a estátua do general Saladino, O Magnífico, à entrada da milenar Cidadela de Damasco. Herói histórico da defesa contra os cruzados, o general curdo Saladino liberou Damasco em 1174 e fundou a dinastia árabe dos Ayubidas.

Os movimentos de forças e as batalhas que tem marcado este verão no norte da Síria não parecem ter sentido para os observadores. O fato é que cada uma das forças implicadas persegue ferozmente seus próprios objetivos.

Mesmo que todos os protagonistas digam lutar contra o Estado Islâmico (Daesh [1]), o certo é que esse grupo jihadista lo que faz é mover-se e somente retrocede para o deserto. O que realmente está em jogo nestas ações é a eventual criação de um Curdistão em detrimento das populações árabes e cristãs do norte de Síria [2].

Vejamos uma análise dos objetivos de guerra das principais forças que se movem no terreno, partindo do princípio básico de que a República Árabe Síria é um Estado soberano e que nenhum destes atores tem, por conseguinte, nenhum direito de arrancar dela parte de seu território para criar ali uma nova entidade.

Nove respostas ao tema curdo…
7 delas ilegais.

1- O Estado Islâmico não vai se opor à criação de um Curdistão, sob a condição de que não seja ao Leste do Eufrates.

O Estado Islâmico, criado, no Iraque, pelo norte-americano Johm Negroponte e, posteriormente, pelo general David Petraeus, segue sob controle deste general norte-americano e ex diretor da CIA. Este último subcontrata a Turquia para a direção desse conjunto, em conformidade com a Irmandade Muçulmana, membros dos Naqchbandis e diversas tribus sunitas do deserto que se extende entre Síria e Iraque.

É por isso que, durante a recente tomada de Yarablus pelo exército turco, os jihadistas do Estado Islâmico que controlavam essa localidade síria, se limitaram a retirar-se, obedecendo ordens de seu mentor turco, sem oferecer resistência.

Depois da batalha de Aim al-Arab (Kobane), o Estado Islâmico admitiu o princípio da criação de um Curdistão no norte de Síria, mas não ao Leste do Eufrates.

2- As 3 posições dos Estados Unidos.

Nos tempos da Primera Guerra Mundial, o presidente norte-americano Woodrow Wilsom havia incluido entre seus objetivos de guerra a criação da Armênia, de Israel e do Curdistão. Ao final do conflito, o presidente Wilsom enviou à região a comissão King-Crane. Esta última indicou:

“Os curdos reclamam um território muito extenso, baseando-se em sua presença [nesse território], mas como estão muito mesclados com os armênios, com os turcos e os demais, e divididos entre si em [curdos] qizilbash [3], [curdos] chiitas e [curdos] sunitas, parece preferível limitá-los à zona geográfica natural que se acha entre a proposição da Armênia no norte e da Mesopotâmia no sul, com o fosso entre o Eufrates e o Tigre como limite oeste e a fronteira persa como limite leste (…) É possível mover dessa zona a maior parte dos turcos e os armênios, que são pouco numerosos, mediante um intercâmbio voluntário da população e obter assim uma província ao redor de um milhão e meio de habitantes, quase todos curdos. Deve garantir-se a segurança dos caldeus, nestorianos e cristãos sírios que vivem na região.”

A Comissão King-Crane visitou a região justo ao término dos massacres desatados contra os cristãos –que se prolongaram desde 1894 até 1923–, perpetrados primeiramente pelo Império Otomano e depois pelos Jovens Turcos, com ajuda da Alemanha do II Reich alemão e da República de Weimar [4]. Dado o fato que os turcos haviam utilizado os curdos para massacrar os cristãos, a Comisão King-Crane se mostrou mui prudente quanto à possibilidade de que os armênios pudessem viver em um Estado curdo. Essa velha ferida se reabriu recentemente quando, em novembro de 2015, grupos de curdos do PYD [5] trataram de “curdizar” pela força os cristãos assírios do norte da Síria [6].

Apesar de tudo, em 1920 a Conferência de Sevres criou, nos papéis, um Curdistão. Mas, ante a rebelião turca encabeçada por Mustafa Kemal, aquele projeto nunca chegou a concretizar-se e os Estados Unidos renunciou dele com o Tratado de Lausana, em 1923.

O seguinte mapa, tomado do sitio web Les Clés du Moyen-Orient [em espanhol, “As chaves do Oriente Médio”] permite observar que o presidente Woodrow Wilsom havia previsto criar aquele Curdistão no território da atual Turquia e incluindo uma pequena parte do atual Curdistão iraquiano. A Síria atual não teria absolutamente nada a ver com aquele projeto.

Várias décadas mais tarde, durante a guerra civil turca, a Síria de Hafez el-Assad apoiou o PKK, baseando-se nas mencionadas proposições do presidente Wilson. A Síria concedeu asilo político ao líder do PKK, quem se comprometeu por escrito a não reclãar nenhuma porção de território sírio, incluindo aqueles onde a Síria acolhia os refugiados curdos.

As estatísticas são eloquentes. O censo de 1962 mostra que na Síria havia somente 162 000 curdos, mas um milhão de curdos turcos buscaram refúgio na Síria, país que apesar de tudo lhes concedeu asilo político. Hoje são 2 milhões e a República Árabe Síria lhes concedeu a nacionalidade síria em 2011. Ao inicio do atual conflito, os curdos defenderam a Síria, com armamento e salários proporcionados por Damasco, frente à invasão dos mercenários islamistas.

Renunciando a sua posição histórica, Estados Unidos prometeu então aos diferentes chefes curdos – no Iraque, na Síria e na Turquia– criar para eles um Estado na Síria se voltasem suas armas contra Damasco. Alguns aceitaram a oferta.

No inícios de 2014, quando o grupo do general norte-americano David Petraeus planifica o desaenvolvimento do Estado Islâmico e sua invasão contra a província iraquiana de al-Anbar, esse grupo autoriza o governo regional curdo do Iraque a apoderar-se dos campos petrolíferos de Kirkuk, o qual se fez realidade sem que isso desse lugar a nenhum tipo de condenação internacional, já que os meios de difusão manteriam a atenção da opinião pública concentrada nos crimes do Estado Islâmico.

3- Rússia apoia os direitos da minoria curda.

Em um primeiro momento, a Rússia apoiou o projeto de criação de uma região autônoma curda na Síria, segundo o modelo das Repúblicas Autônomas russas. em fevereiro de 2016 se abriu em Moscow uma representação das YPG.

No entanto, ante a reação indignada dos sírios, Moscow tomou conciência do fato que a situação da República Árabe Síria não tem nada a ver com o que existe na Federação Russa. As minorias sírias estão tão mescladas entre si que não existe nenhuma região do país onde uma delas seja majoritária. Durante milhares de anos, a defesa da Síria se organiza apartir da mescla de populações, de forma tal que, em todas as partes do país, uma minoria vinculada a um eventual invasor possa proteger o resto da população. Por conseguinte, o Estado sírio não garante os direitos das minorias entregando-lhes a gestão de regiões separadas senão organizando as instituições e a administração segundo os princípios do laicismo, tanto em matéria de religião como no plano étnico.

É por isso que a Rússia aborda agora a questão curda de maneira completamente diferente. A Rússia se comprometeu a defender os direitos de todas as minorias em geral, incluindo os direitos dos curdos, mas convidou estes últimos para que definam claramente se estão a favor ou contra os jihadistas. Consequentemente, por enquanto, os curdos de todas as tendências lutam contra os jihadistas, mas não porque sejam jihadistas mas para apoderar-se dos territórios que estes ocupam e aprópriar-se deles. Isso levou a Rússia a exigir dos curdos que definam também a quem consideram como aliado: Washingtom ou Moscow.

4- Turquia quer a criação de um Curdistão, mas na Síria e sob controle do clã Barzani.

Ankara se nega à possibilidade de que um Curdistão sírio possa servir de retaguarda ao PKK, circunstância que este partido curdo poderia aproveitar para extender-se na Turquia. Ankara mantem excelentes relações com o governo regional do Curdistão iraquiano e não tem porque opõr-se à criação de um Curdistão sírio. É por isso que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan havia concluído com os dois copresidentes das YPG um acordo secreto segundo o qual ele apoiaria a criação desse Estado. Mas esse acordo não sobreviveu à repressão desatada contra os curdos da Turquia pelo próprio presidente Erdogan na ocasião do progresso destes nas eleições legislativas de junho de 2015 [7].

A extrema direita turca, tanto o MHP como os Lobos Cinzas e a Milli Gorus do presidente Erdogan, professa uma ideologia de caráter racial. Segundo esses movimentos e milícias, Turquia debe ser islámica e basarse na raça turco-mongola –lo qual implica a expulsão de cristãos e curdos. A oposição não compartilha esse ponto de vista e grande parte dos curdos estão perfeitamente integrados a dita oposição.

Abdullah Ocalam cria o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) em 1978, quando o fundador dos Lobos Cinzas, Alparslam Turkes, se converte em viceprimeiro ministro da Turquia, em 1975, e fala publicamente em liquidar os curdos, seguindo o modelo de liquidação dos cristãos aplicado durante o genocídio desatado contra os armênios e os gregos pônticos. Damasco concede a Ocalam o asilo político até 1998, ano em que Ankara ameaça recorrir à guerra se a Síria seguir protegendo-o. O então presidente sírio Haffez el-Assad pede a Ocalam que trate de acha refúgio em outro país. O fundador do PKK será finalmente sequestrado em Kenya pela Mossad –a inteligência israelense–, com ajuda dos curdos do PDK, e entregue à Turquia, onde ainda se encontra encarcerado.

5- Irã se opõe à criação de um Curdistão.

Perto de 4,5 milhões de curdos são iranianos e são maioria em uma região da República Islâmica. Mesmo a gozar de igualdade jurídica, a região onde são majoritários segue sendo objeto de diversas formas de discriminação e está menos desenvolvida que as regiões de população persa.

A República Islâmica do Irã defende firmemente a preservação das fronteiras, sobre tudo porque a criação de um novo Estado poderia estimular o separatismo de outras minorias, como os baluchis.

Além disso, sendo aliado da Síria, o Irã não pode admitir a criação de um Grande Curdistão em detrimento da integridade territorial do Estado sírio.

6- O governo regional curdo do Iraque é favorável à criação de um Grande Curdistão em territórios que hoje são parte do Iraque e da Síria.

O governo regional curdo do Iraque olha com inquietude os curdos da Síria. De fato, se trata de duas populações diferentes que, apesar de serem curdas, não falam a mesma língua (os curdos do Iraque falam sorani enquanto que o segundo grupo fala kurmanji, por tratar-se de curdos provenientes da Turquia) e ter uma historia de relações conflituosas desde os tempos da guerra fria. Os curdos do Iraque inclusive filtram a entrada do seu território dos curdos provenientes da Síria e fecham as portas para os curdos que lhes parecem suspeitos de manter vinculos com o PKK.

Massud Barzani, chefe do clã Barzani, segue sendo presidente do governo regional curdo iraquiano depois de haver prorrogado seu próprio mandato em 2012, impedindo a realização de eleições. Massud Barzani há instaurado no Curdistão iraquiano um regime corrupto e autoritário, sem vacilar em recorrir ao assassinato de seus opositores. com ajuda do Estado Islâmico, Massud Barzani extendeu em 40% o território de su região, anexando os campos petrolíferos de Kirkuk, e posteriormente o petróleo roubado pelo Estado Islâmico circulou através do oleoduto do Curdistão iraquiano.

Como pode comprovar-se no seguinte mapa, ao apoderar-se do território que vai desde Erbil até a fronteira síria, Barzani impôs uma continuidade geográfica entre o Curdistão autônomo do Iraque, sob seu controle, e um Curdistão eventualmente instaurado no norte da Síria.

Após haver apoiado o Estado Islâmico durante a batalha de Aim el-Arab (Kobane), o governo regional curdo iraquiano se aproximou das YPG – a pedido de Washington – e lhes prestou uma assistência simbólica. Atualmente, o “presidente” Massud Barzani anuncia que o Curdistão iraquiano vai declarar-se independente e que planeja anexar então uma parte da Síria, mas se opõe ao plano de criação de um Curdistão dirigido por Saleh Muslim, copresidente do PYD (Partido dos curdos da Síria).

7- Israel é favorável à criação de um grande Curdistão nos territórios do Iraque e da Síria, mas não na Turquia.

Para garantir sua própria segurança, Israel estimulou inicialmente a criação de zonas desmilitarizadas ao longo de sua fronteira, em detrimento de seus vizinhos, como no Sinaí egípcio e no sul do Líbano. Mas, devido ao desenvolvimento dos mísseis, Israel abandonou essa estratégia, se retirou do Sinai e do sul do Líbano e, desde 1982, vem desenvolvendo uma estratégia que consiste em controlar por trás às três grandes potências da região, que são Egito, Síria e Iraque. Para alcançar esse objetivo, estimulou a criação de um novo Estado independente, Sudão do Sul, e agora incita à criação de um grande Curdistão em territórios pertencentes a Síria e Iraque.

Desde a época da guerra fria, Israel mantem estreitas relações com o clã Barzani, atualmente no poder no Curdistão iraquiano.

8- França é favorável à solução do problema curdo sem afetar o território turco.

Em 2011, os então ministros de Relações Exteriores da França e da Turquia, Alaim Juppé e Ahmet Davutoglu, firmaram um Tratado onde se estipulava que a Turquia apoiaria as guerras contra a Líbia e contra a Síria (esta última nem sequer havia começado ainda) em troca de apoio à admissão da Turquia como membro da União Européia e da solução do problema curdo em detrimento dos vizinhos da Turquia. Em outras palabras, a França se comprometeu a criar um Estado independente –na Síria ou no Iraque, ou a cabo sobre ambos países– para poder expulsar dali [a partir da Turquia] os curdos do PKK. Esse acordo, que planifica a execução de crimes contra a humanidade, se manteve em segredo e não foi submetido aos parlamentos da França e da Turquia.

Em 31 de outubro de 2014, o presidente Francois Hollande recebeu a Erdogan na sede da presidência da República Francesa. Saleh Muslim, copresidente do PYD (partido dos curdos da Síria, cujo ramo armado são as YPG), se uniu secretamente a este encontro. Estes três personagens se puseram de acordo para criar no norte da Síria, e em detrimento dos povos não curdos que povoam esses territórios sírios, um Curdistão onde Saleh Muslim seria “nomeado” presidente.

Mas depois da batalha de Aim al-Arab (localidade síria designada como Kobane em curdo kurmanji), o presidente Hollande recebiu em 8 de fevereiro de 2015, publicamente e a pedido dos Estados Unidos, à outra copresidente do PYD, Asya Abdullah, suscitando assim a cólera de Ankara. A senhora Abdullah é conhecida como uma fiel seguidora do líder histórico do PKK, Abdullah Ocalan, e por conseguinte se opõe a uma presidência em mãos de Saleh Muslim.

Mudando novamente sua posição depois dos atentados de Paris, a França adotou no Conselho de Segurança da ONU a resolução 2249 que autoriza a interferir militarmente contra o Estado Islâmico, o qual proporciona um excelente álibi para a criação do novo Estado. Porém, Estados Unidos e Rússia retocaram o projeto francês no último momento para que Paris não possa interferir na Síria sem autorização de Damasco.

9- As três principais facções curdas são favoráveis à criação de um Curdistão, mas cada uma delas quer que seja sob seu controle e não sob controle de algum de seus rivais.

Durante a guerra fria, os curdos se dividiram em pro-norte-americanos (PDK) e pro-russos (PKK). As YPG representam os curdos turcos do PKK refugiados na Síria. A esta divisão fundamental vêm agregando-se outras, de maneira que hoje existem uns vinte partidos políticos curdos.

A sociedade curda está organizada segundo um sistema de clãs que lembra o que existe no sul de Itália, de maneira que pertencer a determinada tendência política não é uma opção pessoal senão algo que depende principalmente de relações de família.

Durante os séculos XVIII e XIX, os dirigentes curdos privilegiaram sempre as alianças com grandes potências em vez dos acordos com os povos com os que viviam. Dessa maneira, os líderes curdos garantiram seus próprios interesses às custas dos interesses de seu povo, situação que recorda o comportamento dos dirigentes maronitas no Líbano.

Em 1974-1975, os curdos do Iraque se aliaram aos Estados Unidos contra o presidente Ahmad Hassam al-Bakr. Mas quando al-Bakr começou a reprimirlos, os Estados Unidos os abandonou. E quando uma comisão do senado o interrogou, perguntando-lhe se não se envergonhava de haver abandonado os curdos, o secretário de Estado Henry Kissinger respondeu secamente: “A política exterior dos Estados Unidos não é questão de filantropia.”

Os líderes curdos atuais que aceitaram o projeto norte-americano com a ilusão de obter altos postos no futuro Estado se negam a ser responsáveis da Nakba [8] que se produziria se fossem separados do futuro poder. O problema, de fato, é que a criação do novo Estado suporia a expulsão ou o massacre das populações árabes e cristãs assírias que vivem no norte da Síria e que em seu momento acolheram ali os curdos que fugiam da repressão turca.

O uso recente da força para dar impulso a cada um destes projetos

Ao longo do verão de 2016, os Estados Unidos apoiu diretamente as FDS (as denominadas Forças Democráticas Sírias, que não são outra coisa que membros das YPG junto com alguns mercenários árabes e cristãos) para expulsar da localidade síria de Manbij os jihadistas do Estado Islâmico, estes últimos tambem indiretamente apoiados pelos Estados Unidos através da Turquia. Enquanto se materializou a tomada de Manbij, o Pentágono obrigou as YPG a retirarem-se da localidade que acabavam de conquistar e a pôs nas mãos de grupos armados empenhados em derrotar o governo sírio.

Em 23 de agosto de 2016, em Ankara, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e seu equivalente no governo regional curdo do Iraque, Massud Barzani, concluíram uma aliança contra os outros curdos.

Em 23 de agosto, o presidente do governo regional curdo do Iraque, Massud Barzani, foi recebido com honras de chefe de Estado pelos principais dirigentes da Turquia. Fundamentalmente, Barzani teve um encontro de 2 horas com o presidente Erdogan. O Curdistão iraquiano apoiu a Turquia contra os curdos do PKK e traçou com Ankara um plano para destruir suas instalações nas montanhas iraquianas. O governo regional curdo iraquiano e Ankara abordaram além disso a cooperação energética, provavelmente para seguir veiculando o petróleo roubado pelo Estado Islâmico.

Nesse mesmo dia, o exército turco entrou em território sírio e “expulsou” o Estado Islâmico da cidade síria de Yarablus, situada entre a fronteira turco-síria e Manbij. Os turcos tomaram Yarablus sem combater já que os jihadistas do Estado Islâmico se retiraram, obedecendo as ordens de seu mentor turco. Por certo, pelo momento, nunca houve nenhum tipo de combate, nem em Yarablus nem em nenhum outro lugar, entre o exército turco e o Estado Islâmico.

Tratando de explorar a vantagem adquirida, o exército turco prosseguiu seu avanço tomando outras localidades e acercando-se a Manbij, ignorando com isso as ordens dos Estados Unidos de deter-se. Assim que a CIA entregou mísseis antitanques às YPG, que os utilizaram primeramente contra os tanques turcos, mas não em Yarablus, e logo contra o aeroporto de Diyarbakir, em território turco. Mensagem recebida. O exército turco se retirou até Yarablus e pôs as aldeias que se acham ao sul dessa cidade nas mãos de milícias turcomanas que agora operam sob a bandeira –que havia ficado vacante– do Exército Sírio Livre.

No dia seguinte à visita de Massud Barzani, também viajou a Turquia o vicepresidente norte-americano Joe Biden. Sendo senador, Biden havia apresentado um projeto de lei inclinado a proclamar a independência do Curdistão iraquiano. Já em Ankara, o vicepresidente dos Estados Unidos anunciou haver solicitado a as YPG que se retirassem do território que se acha ao oeste do Eufrates –o qual inclui Manbij– e que, se não o fizessem, Washingtom cessaria toda forma de apoio “aos curdos”. Mas como o Estado Islâmico já anunciou que não permitirá a implantação das YPG ao leste do Eufrates, se faz difícil entender que território agora restaria para esses combatentes curdos.

Em definitivo, existe um acordo tácito entre Ankara e Damasco para dificultar o surgimento de um Curdistão sob controle das YPG, enquanto que há outro acordo oficialmente concluído entre o Pentágono e as YPG para que ambas as partes não lutem entre si, apesar do nova mudança de lado de Washingtom contra a criação de um Curdistão.

Referências:

[1] Tambem designado na mídia ocidental como Estado Islâmico ou com as siglas EI, ISIL ou ISIS.

[2] Os 4 principais partidos curdos mencionados neste trabalho são:
– o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), organização marxista-leninista criada em Turquia por Abdullah Ocalam na época da guerra fria.
– as YPG (Unidades de Proteção do Povo), criadas na Síria pelos curdos turcos do PKK exilados na República Árabe Síria.
– o PDK, criado no Iraque ao redor do clã Barzani, cujos membros trabalharam publicamente para o Mossad (o serviço de inteligência de Israel) durante a guerra fria e ainda seguem vinculados a Israel.
– o UPK, criado ao redor da familia Talabani e vinculado ao Irã.

[3] Os qizilbash são uma ordem sufista de origem iraniana.

[4] “A Turquia de hoje continua o genocídio armênio”, por Thierry Meyssan, Red Voltaire, 30 de abril de 2015.

[5] Partido curdo criado na Síria por exilados curdos provenientes da Turquia.

[6] “Estados Unidos e Israel iniciam a colonização do norte da Síria”, Red Voltaire, 1º de novembro de 2015.

[7] “Erdogan anuncia 5 359 curdos ‘neutralizados'”, Red Voltaire, 29 de março de 2016.

[8] O terno árabe nakba, que significa “desastre” ou “catástrofe”, é utilizado comumente para designar o processo de limpeza étnica e expulsão de 700 000 a 750 000 palestinos durante a autoproclamação do Estado de Israel, em 1948.

Autor: Thierry Meyssan

Traduzido para publicação em dinamicaglobal.wordpress.com

Fonte: voltairenet.org

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