A intervenção militar russa na Síria, que devia ser uma aposta arriscada para Moscow contra os jiadistas, transformou-se numa manifestação de poderio que altera o equilíbrio estratégico mundial. Concebida inicialmente para isolar os grupos armados dos Estados que os apoiam, em violação das resoluções decisivas do Conselho de Segurança, depois destruí-los, a operação é conduzida para cegar o conjunto dos atores ocidentais e seus aliados. Estupefato, o Pentágono está dividido entre os que tentam minimizar os fatos, e encontrar uma falha no dispositivo russo, e aqueles que, pelo contrário, consideram que os Estados Unidos perderam a sua superioridade em matéria de guerra convencional e que lhes será necessário longos anos para a recuperar
Lembre-se que em 2008, aquando da guerra da Ossétia do Sul, as Forças russas foram capazes de repelir o ataque georgiano, é certo, mas haviam mostrado ao mundo, sobretudo, o estado deplorável do seu equipamento. Ainda há dez dias atrás, o antigo secretário da Defesa, Robert Gates, e a antiga conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, falavam do exército russo como uma força de “segundo nível”. Desde o início da colocação militar (na Síria- ndT), a Rússia instalou um centro de empastelamento em Hmeymim, a norte de Lataquia. De repente, o incidente do USS Donald Cook repetiu-se, mas, desta vez, num perímetro de 300 km; incluindo a base da Otan em Incirlik (Turquia). E, ainda persiste. Tendo o evento ocorrido durante uma tempestade de areia de densidade histórica, o Pentágono acreditou, inicialmente, que os seus instrumentos de medição estavam desregulados, antes de constatar que eles estavam “baralhados”. Todos alvo de empastelamento eletrônico.
Ora, a moderna guerra convencional repousa no “C4i”; uma sigla correspondendo aos termos em Inglês de “command” (comando), “control” (controle), “communications” (comunicações), “computers” (computadores) e “intelligence” (inteligência). Os satélites, os aviões e os drones (aviões teleguiados), os navios e submarinos, os blindados, e agora até mesmo os combatentes, estão ligados uns aos outros por comunicações permanentes, que permitem aos estados-maiores comandar as batalhas. É todo este conjunto, o sistema nervoso da Otan, que está atualmente empastelado na Síria e numa parte da Turquia.
Segundo o perito romeno Valentin Vasilescu a Rússia teria instalado vários Krasukha-4, teria equipado os seus aviões de aparelhos de guerra eletrônica SAP / SPS-171 (como o avião que sobrevoou o USS Donald Cook), e os seus helicópteros Richag -AV. Além disso, usaria o navio-espião Priazovye (da classe Projeto 864, Vishnya na nomenclatura da Otan), no Mediterrâneo.
Parece que a Rússia assumiu o compromisso de não perturbar as comunicações de Israel -local protegido pelos EUA-, de modo a deixar de implantar o seu sistema de empastelagem no Sul da Síria.
As aeronaves russas deram-se ao luxo de violar um monte de vezes o espaço aéreo turco. Não para medir o tempo de reação da sua Força Aérea, mas para verificar a eficácia do empastelamento-eletrônico na zona requerida, e para vigiar as instalações colocadas à disposição dos jiadistas na Turquia.
Mísseis de cruzeiro de alto desempenho.
Finalmente, a Rússia utilizou várias novas armas, como os 26 mísseis de cruzeiro furtivos 3M-14T Kaliber-NK, equivalentes aos RGM/UGM-109E Tomahawk. Disparados a partir da Frota do Mar Cáspio – sem qualquer fundamento militar -, eles atingiram e destruíram 11 alvos situados a 1.500 km de distância, na zona não-empastelada – afim de que a Otan pudesse apreciar o desempenho. Estes mísseis sobrevoaram o Irã e o Iraque, a uma altitude variável de 50 a 100 metros, segundo o terreno, passando a quatro quilometros de um drone norte-americano. Nenhum se perdeu, ao contrário dos americanos cujos erros se situam entre os 5 e os 10%, segundo os modelos. De passagem, estes disparos mostram a inutilidade das despesas faraonicas do “escudo” anti-mísseis construido pelo Pentágono em volta da Rússia -mesmo se era oficialmente justificado como estando dirigido “contra os lançadores iranianos”.
Sabendo que estes mísseis podem ser disparados a partir de submarinos, localizados em qualquer ponto dos oceanos, e que eles podem transportar ogivas nucleares, os Russos recuperaram o seu atraso em termos de lançadores.
Em última análise, a Federação da Rússia seria destruída pelos Estados Unidos- e vice-versa- -em caso de confrontação nuclear, mas sairia vencedora em caso de guerra convencional.
Apenas os Russos e os Sírios estão à altura de avaliar a situação no terreno. Todos os comentários militares vindos de outras fontes, aqui incluídos os jiadistas, são infundados, porque só a Rússia e a Síria tem uma visão do terreno. Ora, Moscow e Damasco entendem tirar o máximo partido da sua vantagem e, mantêm pois, o sigilo sobre as suas operações.
Dos poucos comunicados públicos, e confidências de oficiais, pode concluir-se que pelo menos 5.000 jiadistas foram mortos, entre os quais numerosos chefes da Ahrar al-Sham, da al-Qaida e do Emirado Islâmico. Pelo menos 10.000 mercenários fugiram para a Turquia, Iraque e Jordânia. O Exército Árabe Sírio e o Hezbolla reconquistaram o terreno sem esperar pelos anunciados reforços iranianos.
A campanha de bombardeamentos deverá terminar no Natal ortodoxo. A questão que se colocará então será saber se a Rússia está autorizada, ou não, a terminar o seu trabalho, perseguindo para tal os jiadistas que se refugiam na Turquia, no Iraque e na Jordânia. Caso contrário, a Síria seria salva, mas, o problema também não seria resolvido por completo. Os Irmãos Muçulmanos não deixariam de procurar uma revanche e os Estados Unidos de os utilizar, de novo, contra outros alvos.
Conclusão:
A operação russa na Síria foi concebida para privar os grupos jiadistas do apoio estatal de que dispõem, sob a cobertura de ajuda aos “opositores democráticos”.
Ela exigiu a utilização de armas novas e transformou-se numa demonstração de força russa.
Rússia dispõe agora de uma capacidade de empastelamento-eletrônico de todas as comunicações da Otan. Ela tornou-se a primeira potência em matéria de guerra convencional.
Este desempenho ateou a discórdia em Washington. É muito cedo para dizer se ela será favorável ao presidente Obama ou se isto será utilizado pelos “falcões liberais” para justificar um crescimento do orçamento militar.
Autor: Thierry Meyssan
Tradução Alva
Fonte: Rede Voltaire